Saídas bilionárias de fundos de risco e cenário internacional turbulento reforçam a busca dos investidores por segurança
O ano de 2025 vem sendo marcado por um reposicionamento claro dos investidores brasileiros. A combinação de juros elevados, crescimento econômico modesto e instabilidade nos mercados globais está levando a uma reconfiguração no comportamento de alocação. A renda fixa, tradicional porto seguro em momentos de incerteza, voltou a brilhar, enquanto fundos de ações e multimercados atravessam um dos períodos mais difíceis da última década.
Capitação Liquida por Categoria de Fundo (em R$ milhões)
Classe | Jan | Fev | Mar | Abr | Mai | Jun | Jul | Ano |
Ações | -11.668 | -5.373 | -6.309 | -5.759 | -3.528 | -4.711 | -4.346 | -41.694 |
Cambial | -806 | 227 | -126 | 811 | 381 | -566 | -47 | -126 |
MM* | -23.844 | -23.559 | 570 | -21.372 | -16.807 | -2.741 | 1.035 | -86.718 |
RF** | 64.085 | 10.081 | 9.723 | -13.439 | 2.808 | 6.781 | 35.698 | 115.736 |
Levantamento da DataBay mostra que, entre janeiro e julho, os fundos de ações registraram saídas líquidas de R$ 41,7 bilhões. Nos multimercados, as retiradas somaram R$ 86,7 bilhões. No sentido inverso, a renda fixa liderou com folga, atraindo R$ 115,7 bilhões no mesmo período. Os números evidenciam o aumento do custo de oportunidade em manter posições arriscadas, já que ativos conservadores oferecem retornos consistentes em um ambiente de Selic elevada.
A esse contexto doméstico somou-se um fator externo inesperado: as tarifas adicionais impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. Anunciadas em julho pelo governo Trump, as medidas foram interpretadas mais como um gesto político do que como um ajuste comercial. O impacto no mercado foi imediato. Após fortes entradas de capital estrangeiro em maio e junho, julho registrou retirada de R$ 6,4 bilhões da B3. Em agosto, houve recomposição tímida, de apenas R$ 275 milhões, insuficiente para restabelecer a confiança. Essa volatilidade mostra que a percepção de risco em relação ao Brasil aumentou, reduzindo a disposição de investidores globais em manter exposição relevante no país.
Dentro desse quadro, diferentes perfis de investidores adotaram estratégias distintas. Os institucionais, como fundos de pensão, foram os mais conservadores, com fluxos negativos em todos os meses do ano. Essa postura é coerente com o mandato de preservação de patrimônio, mas reforça a pressão sobre ativos de risco. Já as pessoas físicas mantiveram entradas líquidas, ainda que em menor escala, apostando na diversificação e no potencial de valorização de longo prazo. As instituições financeiras, por sua vez, alternaram entre aportes e resgates, chegando a injetar R$ 5,3 bilhões em julho, movimento que compensou parcialmente a saída estrangeira.
Fluxos da B3 (jan/2025 – ago/2025) (em R$ milhões)
Mês | Estrangeiro | Institucional | Pessoa física | Inst Fin | Outros |
jan/25 | 6.824,34 | -1.241,19 | 419,47 | 1.073,94 | -7.076,58 |
fev/25 | 699,34 | -7.599,08 | 1.134,14 | 3.979,57 | 1.786,01 |
mar/25 | 3.118,35 | -1.436,46 | -162,07 | -2.296,46 | 776,62 |
abr/25 | -133,64 | -3.081,59 | 2.181,50 | -904,84 | 1.938,53 |
mai/25 | 10.581,74 | -8.271,71 | 835,55 | -1.192,68 | -1.952,87 |
jun/25 | 5.358,77 | -8.403,28 | 1.991,41 | -320,56 | 1.373,63 |
jul/25 | -6.371,99 | -519,53 | 1.053,14 | 5.346,42 | 492,91 |
ago/25 | 275,35 | -746,08 | 504,85 | -549,07 | 514,93 |
Enquanto isso, a política monetária seguiu sendo um ponto de ancoragem. Em julho, o Banco Central manteve a Selic em 15% e reforçou que a persistência da inflação de serviços e os riscos fiscais exigem cautela prolongada. A mensagem foi clara: cortes antecipados de juros estão fora do radar, o que fortalece ainda mais a atratividade da renda fixa. Além de oferecer retornos elevados com baixo risco, esse cenário reduz o dinamismo econômico, o que pressiona resultados corporativos e limita a valorização das ações.
Esse ciclo cria um efeito de retroalimentação. Quanto mais recursos entram nos fundos de renda fixa, maior é o estímulo para que gestoras lancem novos produtos atrelados a juros, reforçando a preferência pelo conservadorismo. Para multimercados, o desafio é duplo: além da perda de patrimônio, há a limitação para implementar estratégias de maior volatilidade. No mercado acionário, a redução do fluxo comprador — especialmente após a saída dos estrangeiros em julho — dificulta a valorização mesmo de empresas com fundamentos sólidos.
O segundo semestre de 2025 começa, portanto, com uma mensagem inequívoca: a defensividade prevalece. A fuga de recursos dos fundos de risco, a entrada maciça em renda fixa, a saída abrupta de estrangeiros e o impacto das tarifas comerciais configuram um ambiente em que o investidor busca previsibilidade acima de tudo. Se nada mudar no cenário doméstico e externo, a tendência é que essa postura conservadora se prolongue.
Mais do que um movimento conjuntural, os dados sugerem uma mudança estrutural no perfil de alocação do investidor brasileiro. Em tempos de incerteza, a renda fixa não é apenas uma escolha tática, mas um símbolo de segurança. Os próximos meses dirão se esse retorno ao conservadorismo será passageiro ou se representará uma nova etapa para a indústria de fundos no país.